08/09/2020

A complexidade do ICMS no Rio Grande Do Sul

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O ICMS é seguramente o imposto mais complexo do sistema tributário brasileiro. Devido as diferenças na legislação dos estados e a infinidade de obrigações acessórias, esse imposto dificulta a circulação das mercadorias e impõe elevados custos para o seu correto recolhimento e para a adequada prestação de informações ao fisco. Em alguns estados a legislação do ICMS é ainda mais complicada, é o caso do Rio Grande do Sul.

Recentemente o Poder Executivo gaúcho elaborou três projetos de lei que foram apresentados como a reforma no sistema tributário gaúcho. No caso do ICMS, o objetivo é simplificá-lo mediante a redução no número de alíquotas. Em diversos aspectos as propostas apresentadas são positivas e meritórias; exceto no que se refere ao ICMS. A diminuição do número de alíquotas, de cinco para três, não o simplificará. É que, para além das limitações inerentes a esse imposto, no RS o problema possui contornos especiais. A complexidade do ICMS começa quando o legislador gaúcho abre mão daquilo que o define: a competência para legislar. E se prolifera pelas mãos do poder executivo, que passa a fazer o que, por definição, não lhe compete, legislar por decreto criando uma infinidade de soluções particularizadas.

Serei mais específico, conforme o artigo 150, I, da CF/88, a competência para exigir ou aumentar tributos é reservada à lei. O termo lei é ali empregado em sentido formal e em sentido material, ou seja, a proposta deve ser discutida e aprovada pelos representantes eleitos pelo povo reunidos em assembleia. Mas, além disso o seu texto deve ser determinado e específico. Cada norma deve especificar os fatos e demarcar os limites. É isso que caracteriza a “legalidade material”, um bem valioso para o direito tributário porque evita que o poder executivo receba um “cheque em branco”. Ao definir os termos com precisão, o legislador estabelece os limites de atuação do poder executivo e, ao mesmo tempo, oferece segurança jurídica aos contribuintes.

O problema da complexidade da legislação do ICMS em nosso estado deve-se ao fato de que o legislador gaúcho não tem levado a sério o requisito da legalidade material. Por exemplo, o projeto de reforma apresentado pelo governo do estado há poucos dias, insere uma alínea “c”, ao § 13, do artigo 33, da lei nº 8.820/89. Esse novo dispositivo confere ao executivo o poder de imputar a qualquer estabelecimento de contribuinte situado em território gaúcho a condição de substituto tributário, impondo-lhe a obrigação de recolher o imposto devido em razão de um fato praticado por outro contribuinte situado na cadeia de circulação. Isso, não obstante o STF já ter decidido que a imposição de responsabilidade tributário equivale a instituição de um novo tributo e por isso é matéria reservada à lei. Propostas contendo normas legais como essa não se limitam ao projeto apresentado. Essa é uma prática que se institucionalizou na relação entre os poderes executivo e legislativo. A lei estadual nº 8.820/89, lei do ICMS, contém inúmeros artigos vazios de conteúdo, que simplesmente transferem ao executivo o poder de definir os fatos e as condições que o contribuinte deve cumprir.

Quem se der ao trabalho de ler a lei 8.820/89 ficará impressionado com a quantidade de vezes em que ela autoriza o poder executivo a atribuir, rever, ajustar, excluir, reduzir, conceder, permitir, suspender, prever, estender, prorrogar, dispensar, etc. outorgando-lhe a competência para definir tais situações por decreto. São tantos os casos que ao final da leitura tem-se a impressão que o regulamento do ICMS, o decreto estadual 37.699/97, é hierarquicamente superior a lei nº 8.820/89. Algo inconcebível em qualquer ordenamento jurídico. Essas inovações constituem os retalhos e emaranhados da nossa legislação tributária que a tornam tão complexa. Os projetos de reforma apresentados pelo poder executivo não tocam nesse tema e se a Assembleia Legislativa não o enfrentá-lo não haverá simplificação na legislação do ICMS.

O parlamento gaúcho deve considerar que a competência legislativa sobre as matérias arroladas nos artigos 150, § 6º, da CF/88 e 97, do CTN, é indelegável. Quando ela é transferida ao poder executivo, o princípio da separação dos poderes é afetado. O sensível jogo de freios e contrapesos que confere a harmonia entre o legislativo, o executivo e o judiciário se desequilibra. Em termos práticos isso aumenta a complexidade da legislação, permite o uso de medidas discricionárias e eleva o número de litígios tributários.

Atílio Dengo, Advogado, Professor e Doutor em Direito Tributário.

 

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