Em 1º de dezembro deste ano entrará em vigor a Instrução Normativa nº 1986/2020, que dispõe sobre o procedimento de fiscalização utilizado no combate às fraudes aduaneiras. Essa IN, além de compilar em um único regramento as normas já existentes sobre a matéria, trouxe importantes alterações aos importadores e exportadores. Nesse artigo, abordaremos os principais aspectos trazidos pela nova legislação.
Positivamente, podemos apontar que a IN dará maior celeridade aos procedimentos de fiscalização. Primeiro, porque os prazos de duração do procedimento serão reduzidos. As INs anteriores (228/11 e 1678/16) estabeleciam um prazo máximo de 180 dias para a sua conclusão, enquanto a que entrará em vigor estabelece um prazo máximo de 120 dias. Em segundo lugar, porque o novo regramento determina que a apuração dos elementos indiciários de fraude no curso de conferência aduaneira, em qualquer canal, será de no máximo 16 dias da data da distribuição da DI para despacho aduaneiro. Nas disposições anteriores não havia qualquer previsão de prazo para tanto. Por fim, houve uma redução de 10 para 5 dias úteis para que a Receita Federal fixe o valor das garantias a serem prestadas para liberação de mercadorias retidas por suspeita de fraude aduaneira.
Por outro lado, há uma séria falha contida na nova legislação: até então, havia uma norma vigente que definia o que era considerado pela fiscalização como “indícios de irregularidade” em uma operação internacional (entre as hipóteses, se encontravam as suspeitas em relação à: autenticidade de qualquer documento; adulteração da mercadoria; importação proibida; ocultação do real responsável pela importação; falsa declaração quanto aos elementos da transação; dentre outros). E, essas eram as causas que permitiam a abertura do procedimento de fiscalização. No entanto, a partir de dezembro, teremos apenas duas hipóteses: aquelas em que a Fazenda considere que tenha “identificado indícios de ocorrência de fraude aduaneira” (que se sujeitam à retenção das mercadorias) e aquelas em que entender que há “elementos que permitam, de forma inequívoca e imediata, a caracterização da infração punível com a pena de perdimento” (que sujeitam à apreensão das mercadorias).
Para ser mais claro, na primeira hipótese - em que se identificou apenas indícios de fraude – a fiscalização tem 120 para concluir sua análise e o contribuinte tem direito a liberar os bens, mediante a prestação de garantias (sendo que, em se tratando de mercadorias perecíveis, poderá até liberá-las sem essa prestação, contanto que o importador seja o fiel depositário), enquanto na segunda hipótese – em que há elementos que permitam “de forma inequívoca e imediata, a caracterização da infração punível com a pena de perdimento” – não há prazo para encerramento do procedimento, tampouco possibilidade de liberação dos bens.
Esse aspecto gera séria insegurança jurídica aos contribuintes, uma vez que – por se tratar de norma “em branco” – caberá ao agente alfandegário (de forma subjetiva) apontar em cada caso se entende caracterizada a formação de “indícios de fraude” ou “prova inequívoca e imediata”. E, nesse ponto, cabe uma reflexão: como poderá o agente ao instaurar um procedimento de fiscalização de combate à fraude ter tamanha convicção a ponto de afirmar que há prova “inequívoca e imediata” de um ato ilícito? De forma sumária e discricionária, o agente fiscal – ao apreender a mercadoria – antecipará os efeitos de uma pena gravíssima (de perdimento). É certo que a abstração dos termos contidos na norma - cominada com excesso de discricionariedade concedida ao agente fiscal - irá gerar a judicialização da matéria. Nesse ponto, a IN perdeu a oportunidade de pacificar o tema.
Rafael Lacerda Paiani, especialista em Direito Tributário e sócio do Escritório Atílio Dengo Advogados Associados.