PROCEDIMENTO CRIADO EM 2018 PERMITE AO FISCO BLOQUEAR BENS DE CONTRIBUINTES INADIMPLENTES ANTES MESMO DE EXISTIR PROCESSO JUDICIAL
A Averbação Pré-Executória possibilita à Fazenda Nacional realizar o bloqueio de bens e direitos dos devedores da União, através da averbação da própria Certidão de Dívida Ativa diretamente no registro daquele bem ou direito, junto ao respectivo órgão competente, tornando-o indisponível - sem qualquer ordem judicial. Criado em 2018 através da lei 13.606, e regulamentado pela portaria PGFN n° 33/2018, este novo instituto gerou muita controvérsia no meio jurídico, dando logo ensejo a várias ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade). Na última quinta-feira, o STF deu início ao julgamento conjunto das Adis, a fim de exarar um posicionamento definitivo acerca da (in)constitucionalidade da Averbação Pré-Executória.
A criação deste artifício inédito importa em substancial alteração na sistemática de cobrança do crédito tributário, instituindo, na prática, nova prerrogativa ao crédito fazendário: o bloqueio administrativo de bens e direitos dos devedores do Fisco Federal, sem nenhuma intervenção do Poder Judiciário. Isso porque o Estado possui meios e mecanismos próprios para a cobrança dos seus créditos. Após a constituição definitiva do crédito tributário, ante o não pagamento por parte do contribuinte e a consequente inscrição do débito em Dívida Ativa (fase administrativa), o Estado deve realizar a cobrança de seu crédito através de ação judicial própria para tanto – a ação de Execução Fiscal, regulada pela Lei 6.830/80. A inscrição em Dívida Ativa (mais precisamente a Certidão de Dívida Ativa – CDA) é, justamente, o título extrajudicial capaz de ensejar uma ação judicial de execução fiscal, onde os atos constritivos e expropriatórios (penhoras, bloqueios e leilões, por exemplo) encontram o meio próprio para acontecer, sempre através de ordens judiciais. Em outras palavras, com o advento da Averbação Pré-Executória, o iter de cobrança do crédito tributário passa a ser inverso: bloqueia-se administrativamente bens e direitos dos devedores, para depois executar judicialmente o débito. Esta prática está em total desalinhamento com a estrutura normativa constitucional e legal referente à cobrança do crédito fazendário.
Criada através de uma lei ordinária (espécie legislativa simples), a Averbação Pré-Executória já “nasceu” de forma equivocada. A constituição Federal determina que normas gerais em matéria de legislação tributária devem ser estabelecidas, apenas, através de lei complementar (espécie legislativa mais complexa). Portanto, legislar sobre privilégios do crédito tributário não pode ser feito de outra forma, se não através de lei complementar. Por outro lado, no aspecto material, a concentração (na administração pública) das atribuições de constituir o crédito tributário e, ao mesmo tempo, cobrá-lo através da constrição patrimonial, fere os Princípios Constitucionais da Separação dos Poderes do Estado e da Reserva de Jurisdição. Da mesma forma, o direito constitucional do contribuinte à Ampla Defesa e ao Devido Processo Legal restam fulminados por esta possibilidade de bloqueio administrativo prévio de bens e direitos. Em resumo, a Averbação Pré-Executória fere, tanto do ponto de vista formal como material, diversas garantias constitucionais e normas infraconstitucionais, importando, em última análise, em cobrança indireta de tributo – prática vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Nesse sentido, o STF parece estar apontando para a inconstitucionalidade da norma que criou esse procedimento. Como não poderia deixar de ser, o relator do caso, o Min. Marco Aurélio, apontou em seu voto inicial pela inconstitucionalidade da Averbação Pré-Executória. Em suma, ele entende que esta prerrogativa desvirtua o sistema de cobrança dos créditos da União, e está em desarmonia com as balizas constitucionais sobre o tema. Com previsão de encerramento ainda para 2020, resta aos contribuintes aguardar que a Suprema Corte decida, acertadamente, pela invalidade da Averbação Pré-Executória, novo instituto jurídico que fere diretamente os direitos dos contribuintes.
Lucas Ferreira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados