Ao final de 2020, foi sancionada a Lei estadual nº 15.576/20, denominada de “Reforma Tributária RS”. Segundo o governo, a lei visou “atender a pleitos de entidades empresariais, buscando garantir mais competitividade e reduzir o custo tributário das empresas gaúchas”. Dentre as principais novidades trazidas, podemos citar o diferimento parcial “genérico”, que entrou em vigor em 01º de abril de 2021, cuja aplicação é obrigatória a todas as empresas que possuam inscrição estadual, inclusive optantes do SIMPLES NACIONAL, na aquisição de mercadorias. O presente artigo visa, brevemente, analisar como essa nova forma de tributação foi adotada em nosso Estado.
O diferimento é uma técnica em que a responsabilidade pelo recolhimento do tributo é transferida para a operação subsequente. E, no caso do diferimento parcial, instituído por nosso Estado, parte do ICMS devido - que exceda a 12% (doze por cento) do valor da operação - é transferida ao adquirente das mercadorias, desde que estas sejam destinadas à industrialização ou à comercialização. A título exemplificativo, uma mercadoria que sofreria a incidência de 17,5% de ICMS, passou a sofrer 12%. O objetivo dessa regra foi reduzir a carga tributária, nas operações internas que antecedem a venda ao consumidor final - momento em que haverá a tributação integral. A ideia foi louvável: trazer menos desembolso no fluxo de caixa das empresas. No entanto, a implementação do diferimento se deu com serias falhas.
Uma delas é o aumento da burocracia transferida ao contribuinte. A cada operação com diferimento parcial, o adquirente deverá confirmar que as mercadorias foram adquiridas para revenda ou industrialização. Isto deve ser feito mediante a emissão de uma contranota ou por manifestação eletrônica, em até 20 dias da aquisição. Isso dificulta a implementação do diferimento. Especialmente, para empresas de pequeno e de médio porte, optantes do SIMPLES NACIONAL, que – em razão de suas características - deveriam ter um tratamento diferenciado e favorecido. Para evitar todo esse transtorno às empresas, bastaria à fiscalização verificar - através do SINTEGRA – qual o destino foi dado às mercadorias.
Ademais, a exigência da “confirmação da operação” poderá trazer graves consequências ao contribuinte que a descumpra. Isso porque – conforme mencionado acima - ao realizar a venda com diferimento, o vendedor transferiu ao comprador a responsabilidade pelo pagamento de parte do tributo. Caso o adquirente não confirme o destino da mercadoria adquirida, a Receita Estadual poderá presumir que a mercadoria foi consumida. Com isso, como o diferimento terá sido interrompido, o adquirente terá que arcar com o pagamento do ICMS diferido.
Outra falha contida na legislação estadual foi a restrição do diferimento parcial às operações internas, excluindo as importações provenientes de países signatários da Organização Mundial do Comércio (OMC). A título ilustrativo, uma mercadoria importada para revenda sofre uma incidência de 17,5%, quando da entrada, e 12%, quando da comercialização, o que implica em completa incongruência do sistema. Por essa razão, a jurisprudência pacificada, incluindo a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é no sentido de que deve ser dado tratamento isonômico entre o similar nacional e o importado. Por certo, a aplicação do diferimento parcial às mercadorias importadas será objeto de demandas judiciais.
Conforme se percebe, a criação do diferimento parcial “genérico” teve um intento positivo. Entretanto, para que possa, de fato, garantir mais competitividade e reduzir o custo tributário das empresas gaúchas, deverá ter suas regras alteradas, a fim de lhe tornar mais simplificado e isonômico.
Rafael Lacerda Paiani, advogado, especialista em direito tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados.