Bastou o decurso de apenas quatro dias do novo ano e já nos deparamos com dúvidas e incertezas tributarias. O tributo não poderia ser outro: o ICMS, esse imposto cabalístico já que tudo nele parece oculto e incompreensível. Oxalá, no ano de 2022, o congresso aprove a reforma tributária.
Mas, vamos voltar ao assunto: a balburdia diz respeito as operações com mercadorias adquiridas por não-contribuintes, domiciliados noutro Estados que não daquele em que se encontra o vendedor. O exemplo mais frequente ocorre com as compras pela internet. Mas a situação também alcança o comércio tradicional.
Em operações desse tipo, desde 2016, os estabelecimentos vendedores são obrigados a recolher uma parte do ICMS, que corresponde ao valor calculado pela alíquota interestadual, ao Estado de origem, aquele em que o vendedor está localizado. Já, a outra parte deve ser recolhida ao Estado de destino, aquele em que o produto será entregue. A polêmica refere-se a essa parcela, chamada de DIFAL (diferencial de alíquota).
O fato é que em 2021, o STF declarou a inconstitucionalidade do DIFAL nas operações em que o consumidor final está situado fora do Estado em que se localiza o vendedor. A decisão foi motivada pela inexistência de uma lei, de âmbito nacional, que autorizasse os Estados a instituir obrigações tributárias a contribuintes localizados fora do seu território. Só assim o DIFAL poderia ser exigido sem ferir a CF/88. Embora a decisão do STF tenha ocorrido em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal modulou os efeitos da sua decisão estabelecendo que ela produziria efeitos a partir de 01/01/2022. Com isso, o Congresso teria tempo suficiente para discutir e alterar a LC 87/96.
Pois bem, a lei complementar que autoriza os Estados a exigir o DIFAL foi aprovada em dezembro de 2021. Mas ela só foi publicada no dia 04/01/2022. Devemos recordar que, segundo a CF/88, nos casos de instituição ou aumento de tributo, este não poderá ser exigido no mesmo exercício em que a lei foi publicada, respeitando-se, ainda, o prazo mínimo de 90 dias entre a data da publicação e o início da sua cobrança. Eis a causa de todo imbróglio.
A confusão foi instaurada porque, para os Estados, o DIFAL não é um novo tributo. Por isso, ele pode ser exigido imediatamente ou no máximo após esgotado o prazo de noventa dias. Mas, para aqueles que veem no DIFAL um novo tributo, a sua cobrança só poderá ocorrer em 2023.
É esse o nosso entendimento. Uma vez que a relação jurídica anterior foi declarada inconstitucional, o DIFAL exigido entre 2016 e 2021 nunca existiu para o mundo jurídico. O novo DIFAL, autorizado pela LC 190/22, é que cria uma relação jurídica válida e por isso institui um tributo.
Quando a Constituição se refere a instituição de tributo, ela não o faz no sentido de uma inovação inaugural do sistema tributário. Não é necessário que se crie uma nova materialidade tributária. Esse é o entendimento do STF, ou seja, um tributo é instituído quando a lei atribui a condição de contribuinte a quem antes não o era. Isso se aplica mesmo no caso dos tributos já existentes. Noutras palavras, a inovação ocorre sob a perspectiva da pessoa a quem a lei impõe a condição de contribuinte, para ela se trata de um novo tributo. É essa a situação que ocorre com o DIFAL: outro Estado, que não aquele onde o vendedor tem o seu estabelecimento, lhe impõe o dever de recolher parte do ICMS sempre que o destino da mercadoria vendida for o território desse Estado.
A LC 190/22 já existe, mas ela só produzirá efeitos no exercício seguinte à sua publicação. Portanto, o novo DIFAL só poderá ser exigido no primeiro dia de 2023. Até lá o Estado de origem poderá cobrar a parcela correspondente ao ICMS calculado pela alíquota interestadual, nada sendo devido ao Estado de destino.
Atílio Dengo, advogado, professor e doutor em Direito Tributário.