12/04/2022

DEVE-SE PRESUMIR A BOA-FÉ EM RELAÇÃO À CONDUTA DO CONTRIBUINTE?

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Em virtude de sua vinculação à lei, há presunção de veracidade e de legitimidade dos atos praticados pelos auditores fiscais. Nessa linha, o Código Tributário Nacional prevê que a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. Pois bem. Mas, e em relação aos atos praticados pelos contribuintes? Deve-se presumir a má-fé? Conforme veremos abaixo, a atual jurisprudência dos nossos tribunais, assim como o Projeto de Lei Complementar 17/22 (que atualmente tramita no Congresso Nacional), vem nos mostrando que estamos caminhando para um entendimento de que a boa-fé do contribuinte é presumida e de que cabe à fiscalização a prova em sentido contrário.

Em março de 2022, sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.113), o Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão da boa-fé dos contribuintes em relação à apuração do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis. Na prática, os contribuintes vinham atribuindo como base de cálculo do ITBI o valor real da transação, enquanto os municípios vinham cobrando o imposto sobre a avaliação do imóvel (por eles realizada) – sendo que esta na maioria das vezes era superior ao real valor de mercado. Para o STJ: “em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN)”.

O precedente citado acima não é isolado. Nossa jurisprudência tem assegurado a prevalência da boa-fé dos contribuintes em outras situações por eles vividas. Podemos citar outras duas hipóteses muito comuns. A primeira, relacionada aos casos em que o contribuinte comete erros formais quando do preenchimento de documentos contábeis (e, em razão disso, sofre consequências indesejadas). A título exemplificativo, uma decisão proferida pela Justiça Federal de Porto Alegre no mês anterior permitiu que uma empresa optante pelo Lucro Presumido, que havia se equivocado quanto à alteração de seu regime de apuração de suas receitas (de caixa para competência), retornasse ao regime anterior em razão da boa-fé do contribuinte - que ao perceber a ocorrência do equívoco buscou corrigi-lo. Outra hipótese também muito vivenciada pelos contribuintes – e que vem sendo inibida pelo Judiciário - se refere à presunção de inidoneidade, por parte da fiscalização, dos comprovantes de despesas médicas dedutíveis em imposto de Renda. Para o Tribunal Regional da 4ª Região: “Não se pode presumir infração à lei tributária, se o contribuinte de fato comprovou a realização das despesas médicas dedutíveis em imposto de renda, tendo o Fisco lhe negado tal benefício apenas por entender que os recibos apresentados, embora dotados de conteúdo formal suficiente, não eram idôneos para os fins colimados. Para afastar a presunção de boa-fé, necessário que o Fisco comprove a existência de fraude, o que não ocorreu no caso”.

Por outro lado, no âmbito legislativo, podemos citar o Projeto de Lei Complementar 17/22 que busca instituir um Código de Defesa dos Contribuintes, estabelecendo normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres do contribuinte, principalmente quanto a sua interação perante a Fazenda Pública e dispõe sobre critérios para a responsabilidade tributária. E, dentre as regras previstas nesse projeto de lei, que atualmente está em tramitação na Câmara dos Deputados, há um dispositivo que prevê que “Presume-se a boa-fé do contribuinte na sua interação com a Fazenda Pública, judicial e extrajudicialmente”. Como vimos essa regra, quando instituída virá para regulamentar o que o Poder Judiciário vem assegurando aos contribuintes.

Rafael Lacerda Paiani, advogado, especialista em direito tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados.

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