De fama duvidosa no meio jurídico, principalmente pelas promessas pouco factíveis - daqueles que os alienam - de redução imediata e expressiva do passivo tributário das empresas, a aquisição de precatórios se apresenta como uma das alternativas disponíveis aos contribuintes, tanto para garantia de execuções fiscais, quanto para a quitação dos débitos. O objetivo desse breve artigo é esclarecer sobre as reais possibilidades e vantagens em adquiri-los. Destacamos que iremos tratar aqui apenas daqueles títulos públicos que sejam válidos e exigíveis, afastando os falsos e/ou prescritos, como aqueles que vem sendo objeto de alerta pelo Tesouro Nacional há bastante tempo (veja aqui).
A primeira questão a ser respondida é: o que são esses títulos públicos e por que eles têm sido cedidos? Os precatórios são requisições de pagamento, expedidas pelo Poder Judiciário, para cobrar de Municípios, Estados ou da União, assim como suas autarquias e fundações, valores devidos em condenações judiciais definitivas. Como os entes estatais, em especial os Estados, vivem situação financeira precária (o Estado do RS, por exemplo, segundo dados divulgados em junho de 2022, deve R$ 15,2 bilhões em precatórios), muitos de seus credores - visando antecipar o recebimento dos valores a que fazem jus - aceitam ceder seus direitos a terceiros, na maioria dos casos, com um enorme deságio (por vezes, por 30%-40% do seu valor de face). Por essa razão, muitas empresas adquirem precatórios vencidos e não-pagos.
Mas, além dessa vantagem econômica (aquisição com deságio), qual sua utilidade? A primeira delas é o oferecimento do precatório à penhora em sede de execução fiscal. Isso porque, o precatório garante o juízo e permite que o contribuinte se defenda através de embargos à execução (há exigência legal de garantia integral para discutir judicialmente a validade do débito), além de evitar um dos principais malefícios que assolam as empresas com débitos tributários executados: a penhora on line, em suas contas bancárias e em seus ativos financeiros (com destaque para a recém-criada “teimosinha” que, a depender da decisão judicial, pode ter eficácia diária por mais de 30 dias (veja o artigo que aborda o tema aqui). Em relação ao precatório dado em garantia, em se obtendo êxito com a defesa judicial (extinguindo ou reduzindo o valor da execução), remanesce o direito de crédito do contribuinte que adquiriu o precatório, ainda que não seja possível prever a data de seu recebimento.
A segunda possibilidade – e talvez mais importante – é a utilização dos precatórios para quitação de débitos tributários inscritos em dívida ativa, através de compensação. Desde a decisão do STF de ano 2013 (na ação direta de inconstitucionalidade nº 4357) tem se combatido com mais veemência o inadimplemento institucionalizado desses títulos públicos. E, a partir daí, foram criadas algumas emendas constitucionais visando obrigar os Estados a quitar seu estoque de precatórios. Entre elas, a EC 99/17 que determinou que os entes teriam prazo de 120 dias para criar lei regulando a compensação de precatório vencidos e não pagos. Nesse cenário, o Estado do RS criou, através de Lei estadual nº 15.038/17, o programa COMPENSA/RS. Através dele, foi permitido aos credores de precatórios vencidos (junto ao Estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias ou fundações, próprios ou de terceiros) a sua utilização para compensação de débitos de natureza tributária, que tenham sido inscritos em dívida ativa até 25 de março de 2015, até o limite de 90% do valor atualizado do débito. Já em relação a débitos inscritos posteriormente a 25/03/2015, a PGE criou um outro instituto, chamado de sub-rogação, o qual permite ao credor dos precatórios a compensação de até 70% do débito tributário, desde que esse credor admita uma redução de 40% do valor do precatório oferecido. Ou seja, nessa segunda hipótese, o Estado admite o precatório, mas com um deságio de 60%.
Por fim, ainda quanto à possibilidade de compensação de créditos de precatórios com dívidas tributárias, cabe destacar um dos poucos benefícios trazidos pela malfadada EC 113/21 (PEC dos precatórios). Nela foi criada uma regra constitucional que faculta ao credor desses títulos públicos quitar os débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa (sem qualquer limitação de data de sua inscrição). A norma é autoaplicável em relação a União, mas exige lei específica em relação aos demais entres federativos. Nesse cenário, em face ao fenômeno da recepção, entendemos que como Estado do RS já possui lei estadual que regula a compensação de precatórios (Lei nº 15.038/17), caso o Estado não publique uma nova lei tratando especificamente sobre os casos da EC 113/21, em um prazo razoável, é plausível que se pleiteie a aplicação por analogia da lei estadual já existente, de acordo com as novas disposições contidas em nossa CF.
Rafael Lacerda Paiani, especialista em Direito Tributário e sócio do Escritório Atílio Dengo Advogados Associados.