Celebrada entre os devedores do fisco federal, a recente Lei n° 14.375/22 trouxe novas possibilidades às regras das transações tributárias – dentre elas a utilização de precatórios e prejuízo fiscal para quitação da dívida – tema abordado neste espaço em julho (leia aqui). Conforme dito ao final daquele artigo, a lei em questão revelava-se norma geral aplicável às transações tributárias vindouras, então ainda carente de regulamentação por parte da PGFN. Pois bem, em 01.08, a PGNF publicou a Portaria n° 6757/22, através da qual busca regulamentar, de forma ampla, as normas aplicáveis as transações tributárias, inclusive já considerando as disposições da referida Lei n° 14.375/22. Acontece que algumas das normas regulatórias veiculadas na portaria restringem em demasiado as benesses trazidas naquela lei.
Passados quase 3 anos desde a entrada em vigor do instituto da Transação Tributária (conversão da MP 899/19 na Lei 13.988/20), com o lançamento, abertura e reabertura de diversos editais para as transações por adesão de débitos das mais variadas características (como por exemplo aqueles que passaram a permitir a transação da dívida ativa do FGTS, de débitos do Simples Nacional, dentre outras particularidades) e a edição de regras para a normatização das transações individuais, a PGFN publicou nesta semana a Portaria n° 6757/22 – ato infralegal de espectro regulatório amplo, no qual busca regular as normas gerais das transações tributárias. Até aqui, nenhum problema. A portaria traz, inclusive, algumas regras benéficas aos contribuintes, como a redução do valor mínimo para a transação individual (de R$ 15 para R$ 10 milhões), a criação de nova modalidade de transação individual (a simplificada), e a flexibilização dos documentos necessários à comprovação da capacidade econômica do contribuinte (requisito especialmente necessário nas transações individuais). O problema é que, justamente em relação às boas novidades que a Lei n° 14.375/22 trouxera, a Portaria impõe severas restrições, deixando àquelas benesses sem o efeito prático esperado - inclusive colocando em xeque a legalidade do referido ato infralegal da PGFN, uma vez que, ao menos nestes pontos, parece extrapolar a competência legal de uma Portaria, inovando em relação à Lei que busca regulamentar.
As restrições impostas ao uso do prejuízo fiscal e da base negativa de CSLL são as mais severas. Primeiramente, a Portaria veda a utilização destes expedientes na recém-criada transação individual simplificada e em transações por adesão – frustrando a expectativa de futuros editais que possibilitem a utilização destes artifícios. Ainda, relega a utilização de prejuízo fiscal e da base negativa de CSLL exclusivamente àqueles créditos fazendários classificados pela PGFN como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Da mesma forma, a PGFN condiciona a utilização de prejuízo fiscal e base negativa à inexistência, ou esgotamento prévio, de precatórios ou outros direitos creditórios do devedor em relação a Fazenda Nacional. Por fim, restringe a utilização destes expedientes apenas ao abatimento de juros e multas, permitindo o abatimento do principal apenas aos devedores que se encontrem em processo de recuperação judicial. Ainda, em que pese a Lei 13.475/22 tenha previso a utilização de precatórios para a quitação das dívidas, a regra trazida na Portaria não é exatamente das mais benéficas ao devedor. Isto porque impõe espécie de compensação compulsória, ao obrigar o devedor a autorizar a compensação de todos os precatórios e/ou outros direitos creditórios que possua (como aqueles relativos à restituição) no momento da efetiva disponibilização financeira destes direitos. Outro ponto a destacar é a vedação expressa a transação de débitos não inscritos em dívida ativa, ainda que a Lei n° 13.475/22 tenha previsto esta possibilidade, em relação aos débitos em discussão administrativa.
Na prática, a PGFN mitiga as novas e benéficas regras trazidas na Lei n° 13.475/22. Em especial, praticamente corta pela raiz a atraente e saudável possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL para quitação das dívidas eleitas às transações. Aparentemente, é possível que a PGFN edite nova portaria, abordando pontos ausentes na anterior e, até mesmo, eventualmente revisando algumas regras nela trazidas. Contrário senso, vislumbra-se a judicialização do caso, a fim de se discutir os limites desta nova Portaria da PGFN.
Lucas Ferreira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados