A desoneração da folha de salários é uma medida econômica/fiscal adotada inicialmente em 2011, originalmente temporária e que, desde então, vem sendo renovada periodicamente. Consiste em substancial alteração na sistemática de recolhimento da Contribuição Previdenciária Patronal: ao invés das empresas beneficiadas pela regra recolherem mensalmente 20% sobre a folha de salários, elas passam a recolher alíquotas numa faixa de 1% a 4,5% (a depender do setor econômico em que se encontram) sobre sua receita bruta. Tal medida vale para empresas integrantes de determinados setores econômicos (17 ao todo, como Construção Civil, Calçados, Couro, Têxtil, Call Center, Confecção e Vestuário, Comunicação, Proteína Animal, Tecnologia da Informação, Fabricação de Veículos, dentre outros), e tem por objetivo a geração e manutenção de empregos, assim como o aquecimento da economia. Pois bem. Ocorre que a norma que previa a desoneração da folha tinha previsão de término em 12/23. Assim, no final de 2023, o Congresso aprovou lei que renovou esta sistemática diferenciada de recolhimento da Contribuição Previdenciária Patronal, até o ano de 2027 (Lei 14.784/23). Após o veto presidencial à esta renovação, e a posterior derrubada deste veto pelo Congresso Nacional, o governo Federal editou, no apagar das luzes de 2023, a MP 1.202, que traz, dentre outras disposições, a reoneração progressiva da folha de salários. Neste breve artigo, trataremos especificamente da parte relacionada a reoneração da folha de salários, e seus reflexos jurídicos.
A MP 1.202/23 traz a reoneração progressiva da folha de salários. Substitui a alíquota original de 20% por faixas de alíquotas, a serem implementadas ao longo dos anos - de 10% em 2024 até 18,75% em 2027, a depender da atividade econômica desenvolvida pela empresa (a MP contempla 42 CNAEs). Todavia, a MP traz um mecanismo de trava para a aplicação das alíquotas reduzidas supramencionadas, qual seja, o valor de um salário-mínimo, à título de salário contribuição. Ou seja, sobre o que exceder este limite, a empresa deverá recolher a alíquota original de 20%. A medida entra em vigor 90 dias após sua edição, é dizer em 01.04.24, e tem validade até 2027, de forma que, após esta data final, a Contribuição Previdenciária Patronal volta a ser recolhida sobre a alíquota cheia, de 20%. Até a entrada em vigor da MP 1.202/23, segue valendo a desoneração da folha em suas bases já conhecidas, neste caso revalidada pelo Congresso Nacional no fim do ano passado, até 2027.
Por tratar-se de Medida Provisória, a norma tem validade de 120 dias, devendo ser votada e convertida em lei pelo Congresso Nacional dentro deste período, ou caducar. No entanto, conforme exposto no início deste artigo, o tema da reoneração da folha de salários tem sido objeto de grande embate político entre o Governo Federal e Congresso Nacional. Este embate entre Executivo e Legislativo deve seguir nos próximos meses, com discussões e arranjos políticos sobre a matéria, culminando com a votação, ou não, da MP em questão. De um lado, o Executivo considera inconstitucional a lei do Congresso Nacional que renovou a desoneração da folha até 2027, por tal medida não ter sido prevista no orçamento 2024, votado e aprovado pelo Congresso, bem como por afrontar, no entendimento do Planalto, dispositivo da EC 103/19, que promoveu a reforma previdenciária. De outro lado, o Congresso reputa como ilegal a MP editada pelo Governo Federal, na medida em que ela trata de tema que já fora objeto de veto presidencial, derrubado pelo próprio Congresso Nacional – violando, assim, a harmonia e o Princípio da Separação dos Poderes.
Por ora, é prematuro fazer um prognóstico de como esta situação se definirá. Entretanto, dado as peculiaridades jurídicas do caso, é provável que haja a judicialização da matéria, caso a reoneração da folha passe nos termos apresentados na MP do Governo Federal.
Lucas Ferreira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados