Desde a criação da Lei Kandir, Estados e contribuintes vêm travando uma disputa acerca do direito ao creditamento de ICMS sobre a aquisição de produtos intermediários. Enquanto os Fiscos estaduais defendem a tese de que o crédito fiscal apenas é admitido na entrada de mercadorias que integram diretamente o produto, os contribuintes sustentam que aquelas que são utilizadas na produção – mesmo que não incorporadas fisicamente ao produto – geram o direito. Pois bem. No final de 2023, a 1ª Seção do STJ firmou entendimento favorável aos contribuintes. E, nesse breve artigo, iremos apresentar a extensão e a consequência desse importante julgado.
O primeiro aspecto a ser enfrentado se refere à regra de não-cumulatividade do ICMS e a aplicação dessa sistemática em relação aos produtos intermediários. A Lei Complementar 87/96 (conhecida como Lei Kandir) assegura aos contribuintes o direito de se creditar do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadorias, inclusive quando destinadas ao uso e consumo, desde que relacionadas à atividade do estabelecimento. Ocorre que essa lei, desde sua entrada em vigor, teve a possibilidade de aproveitamento de crédito sobre itens de “uso e consumo” postergada em 7 oportunidades (a redação original a previa a partir de 1998 e, atualmente, “está prevista” para 2033). Ou seja, em razão dessa “eterna” limitação temporal, a lei, na prática, veda a não cumulatividade sobre essas entradas.
Em razão desse fato, os Estados passaram a adotar uma lógica binária: se o item adquirido se incorpora fisicamente ao produto final, deve ser considerado passível de creditamento; no entanto, se for consumido ou desgastado gradativamente durante a produção, sem integrá-lo (como é o caso dos produtos intermediários), deve ser considerado como de uso e consumo, impassível ao crédito fiscal. A decisão do STJ interpretou o tema de forma distinta a dos fiscos estaduais.
Para os Ministros, o que irá definir se um item (bem ou serviço) deve ser sujeito à não cumulatividade é se ele pode ser considerado como essencial ou relevante para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. O caso julgado pelo STJ tratou de uma empresa que desempenha as atividades de cultivo, industrialização e comércio de açúcar, álcool e outros produtos e subprodutos derivados da cana-de-açúcar, bem como a produção e comercialização de energia elétrica e que teve assegurado o seu direito de se creditar sobre diversos produtos intermediários considerados essenciais à sua atividade (pneus e câmaras de ar, materiais de corte de cana-de-açúcar, fio agrícola, facas, martelos, pentes bagaceiras, correntes transportadoras e suas partes, correntes transportadoras de borracha e roletes, eletrodos, estatores e rotores de bomba, válvula e elementos de vedação, telas para filtragem, lâminas raspadoras, óleos e graxas).
O precedente o STJ é muito relevante. Entretanto, cabe uma ressalva, A decisão não se deu em sede de recursos repetitivos. Ela não vincula os demais tribunais do país e não tem aplicação imediata. Para que seja assegurado o direito individual de cada contribuinte, é necessário o ingresso de ações judiciais autônomas, a fim de que seja demonstrado que os produtos intermediários adquiridos e utilizados pela empresa são indispensáveis para atingir o seu objeto social.
Rafael Lacerda Paiani, advogado, especialista em direito tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados.