Conforme abordamos em 26/02/2019, os Estados têm dado tratamento desigual entre a complementação e a restituição da diferença de ICMS calculada sobre os produtos comercializados com substituição tributária. No presente artigo, iremos analisar os entraves criados pelo Estado do Rio Grande do Sul quanto ao aproveitamento dos créditos do ICMS-ST, a partir da entrada em vigor do Decreto Estadual nº 54.308/18, que atinge em especial o mercado varejista.
O maior obstáculo gerado pelo Fisco Estadual se refere à negativa de restituir em espécie a diferença do ICMS-ST aos contribuintes que, em razão da natureza de suas atividades, rotineiramente comercializam mercadorias cujo preço praticado na operação ao consumidor final é inferior à base de cálculo utilizada para o cálculo do ICMS-ST nas suas aquisições. Ao invés de permitir a restituição, o Fisco prevê aos seus contribuintes apenas a possibilidade de compensar os créditos com o saldo devedor do ICMS-ST, se houver, e, na hipótese de valor remanescente, a transferência dos créditos para os períodos seguintes.
Tal prática viola frontalmente tanto a Constituição Federal, que assegura a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido, como a Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) que prevê a restituição em um prazo máximo de 90 dias. Além disso, feriu o princípio constitucional do não-confisco, à medida que - considerando que em alguns ramos de atividade haverá uma eterna geração de créditos que jamais poderão ser aproveitados - o Fisco Estadual está se utilizando da arrecadação do ICMS-ST para se apropriar indevidamente de valores que pertencem aos contribuintes.
Por outro lado, há que se ressaltar as dificuldades geradas pelas novas regras instituídas pelo Estado quanto ao aproveitamento dos créditos das mercadorias em estoque adquiridas com incidência do ICMS-ST. Em primeiro lugar, pela dificuldade em adaptar os sistemas operacionais às novas obrigações assessórias previstas no bloco H, da Escrituração Digital (EFD). E, em segundo lugar, pela forma como a adjudicação desses créditos se dará, uma vez que após a apuração do valor do imposto presumido em relação às mercadorias adquiridas a Receita Estadual irá lançar tais créditos em três parcelas mensais, iguais e sucessivas, ao invés de permitir aos contribuintes o aproveitamento integral e imediato desses créditos, logo após fosse concluída sua apuração.
Pois bem, a partir da leitura do que foi exposto acima, se percebe que não à toa inúmeras empresas têm recorrido ao Poder Judiciário visando o afastamento das regras trazidas pelo Decreto Estadual nº 54.308/18. Sabemos das dificuldades financeiras enfrentadas por nosso Estado. No entanto, criar entraves à utilização dos créditos dos contribuintes não às soluciona. Do contrário, gera um estado de escassez econômica, na medida em que as empresas ficam impossibilitadas de utilizar valores que lhe pertencem, além de gerar um cenário de insegurança jurídica, em uma situação em que Estado que deveria ser o guardião da ordem constitucional, acaba por violá-la para os seus próprios interesses.
Por Rafael Paiani, advogado especialista em Direito Tributário e Processo Civil e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados Associados.