As sociedades uniprofissionais, ou sociedades simples formadas por profissionais liberais, têm direito a um tratamento tributário diferenciado em relação ao ISS. Diversamente das sociedades de caráter empresarial, que recolhem o imposto municipal sobre o valor do serviço prestado, sociedades desta espécie pagam um valor fixo em função do número de profissionais que a integram. Sociedades simples uniprofissionais caracterizam-se por possuir sócios que exercem profissão regulamentada por lei (como advogados, médicos, arquitetos e engenheiros, por exemplo), para o exercício de sua atividade-fim. Segundo a própria denominação indica, os profissionais devem ser todos da mesma área. Este tipo de sociedade tem por característica a ausência de caráter empresarial e, diferentemente das demais, seu registro e arquivamento dos atos constitutivos se dá no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, e não na Junta Comercial.
O tratamento diferenciado destinado às sociedades simples de profissionais está regrado no Decreto Lei 406, de 1968. Este diploma legal, apesar de bastante antigo, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 com status de lei complementar e, conjuntamente com a Lei Complementar 116/03, estabelece as bases vigentes em todo o território nacional para a tributação do imposto sobre serviços. Isto significa que as leis instituidoras do ISS de todos os municípios do país devem estar em conformidade com a referida legislação. De acordo com o artigo 9ª, §§ 1º e 3º do decreto, sociedades simples de profissionais devem recolher, a título de ISS, um valor fixo por cada profissional integrante da sociedade. Ainda, o decreto proíbe aos municípios a utilização da remuneração pelo próprio serviço como base de cálculo do imposto, para esta espécie societária. Da mesma forma, os citados dispositivos tratam dos requisitos para que uma sociedade seja caracterizada como uniprofissional, para fins de recolhimento do ISS, de maneira que não compete aos municípios legislarem sobre critérios de enquadramento dos contribuintes neste tipo especial de sociedade.
Entretanto, as municipalidades costumam criar leis com a finalidade de limitar, ou até mesmo eliminar, os benefícios desta sistemática especial de tributação. Muitos municípios, ao instituírem o seu ISS, o fazem através de leis que ofendem diretamente a citada legislação, e acabam afrontando o direito das sociedades uniprofissionais à sistemática de recolhimento pela cota fixa. Isto é feito tanto através da criação de requisitos próprios para o enquadramento dos contribuintes neste tipo societário, como através da criação de alíquotas aplicáveis aos serviços prestados por este tipo de sociedade simples. Em ambos os casos, a afronta à legislação pertinente é flagrante. Exemplo recente é o ocorrido em diversas cidades do Rio Grande do Sul. A partir de 2017, ao adaptar sua legislação de ISS às novas diretrizes do ISS (que dizem respeito as alíquotas mínimas das sociedades empresárias) muitos municípios entenderam por aplicar a limitação da alíquota mínima de 2% para todos os contribuintes do imposto, inclusive às sociedades uniprofissionais. Ao contribuinte, resta se socorrer do Poder Judiciário para fazer valer seu direito ao tratamento especial relativo ao ISS, quando o mesmo é ofendido pelas legislações municipais.
Recentemente, o direito dos contribuintes ganhou novo e importante amparo. Em 24/04, através de julgamento com repercussão geral reconhecida – RE 940769, o STF proferiu decisão referente ao tema, onde ficou estabelecido que os municípios não podem fixar novas regras para as sociedades uniprofissionais, criando impeditivos à submissão destas sociedades ao regime de tributação fixa estabelecido no Decreto Lei 406/68. A partir desta decisão, fica mais fácil aos contribuintes defenderem-se dos abusos praticados pelos municípios, ao exigir o ISS das sociedades unipriofissionais em desconformidade com a legislação nacional vigente.
Lucas Ferreira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados