Buscando criar novos mecanismos de recuperação do crédito tributário da União, o Governo Federal acaba de publicar a Medida Provisória n° 899/19, que cria e estabelece as bases para a Transação Tributária – acordos fiscais entre os contribuintes e a União. Redigida de maneira genérica e outorgando amplos poderes à administração pública e seus órgãos, na prática a MP confere à RFB e a PGFN novas possibilidades na cobrança do crédito fazendário, fazendo com que ambas não fiquem mais limitadas aos meios legais já existentes – cobrança administrativa de tributos e execução fiscal.
Como premissa inicial, a MP estabelece que a União poderá celebrar as transações sempre que, motivadamente, entender que a medida atenda ao interesse público. A partir daí, estipula modalidades de acordos (individual ou por adesão) para débitos que se encontram, basicamente, em três situações distintas: 1) Débitos já inscritos em Dívida Ativa e considerados, pela autoridade fazendária, irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Para estes débitos, é facultado acordo nas modalidades “proposta individual” ou “por adesão”; 2) Débitos em contencioso administrativo ou judicial, independentemente de inscrição em Dívida Ativa, quando a controvérsia versar sobre relevante e disseminada tese jurídica. Neste caso, apenas a transação “por adesão” é permitida; 3) Débitos que se encontram ainda no âmbito da RFB, em contencioso administrativo, que sejam de baixo valor. Para estes, é permitido apenas a transação na modalidade “por adesão”. A modalidade “proposta individual” é aquela forma de acordo válido para um contribuinte em especial. Esta modalidade de transação pode ser feita por iniciativa do Fisco ou do próprio contribuinte. Já a modalidade “proposta por adesão” se refere àqueles casos em que o Fisco propõe um acordo genérico, mediante a publicação de Edital, cabendo aos contribuintes apenas realizar a adesão, via internet.
Os principais benefícios previstos na MP são a concessão de descontos de até 50% (pessoa jurídica) e de até 70% (pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte). Os descontos, entretanto, incidem apenas sobre as parcelas acessórias da dívida tributária, ou seja, juros, multas e encargos, não atingindo o valor principal. Da mesma forma, a quitação da dívida poderá ser feita em até 84 vezes para pessoas jurídicas e em até 100 vezes para pessoas físicas, microempresas ou empresas de pequeno porte.
Por outro lado, a MP não regulariza integralmente a transação tributária, deixando espaços em aberto para que a União imponha exigências onerosas ao contribuinte que busca a transação, como o pagamento de entrada e a apresentação de garantia real ou fidejussória do débito. Ainda, confere ao Fisco a possibilidade de infligir consequências gravosas aos contribuintes que não honrarem integralmente as condições estabelecidas no acordo firmado, como a possibilidade da União ajuizar ação de falência contra o contribuinte em questão – situação esta até então inédita no ordenamento jurídico nacional.
Por sua própria natureza, a MP n° 899/19 precisa ser votada e convertida em lei, dentro de 120 dias, para que não perca vigência. Também, para a efetiva implementação das transações tributarias, é necessário aguardar a publicação dos atos infralegais regulatórios da matéria (atos da RFB e da PGFN, por exemplo), os quais preencherão as lacunas deixadas pela MP a respeito do funcionamento deste novo instituto. Apenas após a publicação destes atos é que poderemos avaliar de forma mais assertiva se a transação tributária se revelará mais benéfica ao contribuinte que um programa espacial de parcelamento, por exemplo.
A depender do conteúdo das regulamentações referentes à transação tributária, esta pode vir a ser uma boa alternativa aos contribuintes que buscam quitar seus débitos junto ao Fisco Federal. Todavia, inegável é que a MP confere amplos poderes à União, abrindo um leque de novas formas de atuação para a RFB e, em especial, para a PGFN. Na hipótese de transação envolvendo “créditos irrecuperáveis”, por exemplo, cabe à PGFN determinar se o crédito goza ou não de tal condição, mesmo que o contribuinte possa comprovar sua incapacidade de quita-lo. No mesmo sentido, em demandas judiciais envolvendo teses jurídicas já disseminadas (como no caso da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS), a PGFN poderá propor acordo ao contribuinte em meio ao processo, fazendo com que o prejuízo da Fazenda Nacional seja menor do que se o processo seguisse seu curso natural. Uma coisa é certa: se a MP for aprovada nos termos em que está redigida, a forma de atuação da PGFN mudará radicalmente.
Lucas Ferreira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados