05/11/2019

Os riscos da discricionariedade na transação tributária

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A Medida Provisória n° 899/19 - MP do Contribuinte Legal – estabelece e regulamenta (em termos gerais) o instituto da transação tributária, previsto no art. 171 do CTN. Em seu texto original, a MP confere largos poderes discricionários ao Fisco - conforme referido aqui em artigo publicado em 21/10/19. Em outras palavras, na forma apresentada, o Fisco tem a liberdade de escolher com quem e como celebrará os acordos tributários.  No presente artigo, aprofundaremos este ponto.

O Direito Tributário está submetido ao Princípio da Legalidade Estrita. Isto significa que o Estado, ao constituir, exigir e cobrar seu crédito, o deve fazer de acordo com os ditames legais.  Equivale a dizer que o Fisco, no que se refere à cobrança do crédito tributário, não pode fazer acordos com os contribuintes como bem lhe convir, salvo quando a lei lhe assegure esta opção (REFIS, por exemplo). Pois bem, a MP 899/19 busca estabelecer as normas para a celebração de acordos individuais entre Estado e contribuinte. O problema é que ela não estabelece critérios objetivos para a celebração das transações, ficando, na prática, à critério exclusivo do Estado decidir como e quem pode transacionar. O parâmetro norteador deste novo instituto é o juízo de oportunidade e conveniência da União. Ou seja, para serem celebradas, as transações devem atender, em primeiro lugar, ao interesse público. Mesmo que busque ao longo do texto estabelecer critérios para a celebração das transações em diferentes modalidades, acaba sempre por conceder larguíssima margem de discricionariedade ao ente estatal.  

Contrário senso, em outros países que adotam expedientes semelhantes à transação tributária, não é isto o que se verifica. Curiosamente, no texto de justificativa da criação da MP n° 899/19, o Governo Federal alude o instituto do “Offer in Compromisse” utilizado pelo Internal Revenue Service – equivalente à Receita Federal dos Estados Unidos. De acordo com a justificativa, a transação tributária nos termos apresentados na MP 899/19 assemelha-se ao instituto americano. Todavia, a principal característica que os diferencia é, justamente, o estabelecimento de parâmetros técnicos e critérios objetivos observados no regramento do instituto estrangeiro. Em preenchendo os requisitos, qualquer contribuinte se encontra apto a oferecer um acordo ao Fisco. A título de exemplo dessa objetividade, podemos citar o critério que se refere diretamente à situação econômica do contribuinte: em qualquer situação que o montante total da dívida exigida for superior aos ativos e a receita do contribuinte, a transação poderá ser celebrada. Obviamente, também existem critérios objetivos para a propositura e aceite dos termos dos acordos. Em suma, é um sistema de requisitos práticos, sem margem para que o Estado interfira além do que a lei determina.

A MP do Contribuinte Legal ainda precisa ser votada e convertida em lei. Neste momento, é imprescindível a atuação do legislador federal, com o objetivo de promover as alterações necessárias à eliminação destes grandes espaços de discricionariedade estatal que o texto atual da MP permite. Do contrário, a transação tributária será algo semelhante aos programas de parcelamentos especiais, com a diferença que será concedida apenas a quem o Fisco entender conveniente.

Lucas Ferreira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados

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