Atílio Dengo, Advogado, Doutor em Direito Tributário, professor universitário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados Associados.
Para muitos, a empresa familiar é vista de forma negativa. Como se a presença de familiares, por si só, fosse o grande defeito desse tipo de organização. Nesse texto vou defender que esse é o seu grande diferencial competitivo. Abordarei os desafios que a família empresaria e a empresa familiar devem enfrentar e apresentarei uma maneira de fazê-lo. Ao fim tratarei do papel do advogado nesse processo.
As empresas familiares se caracterizam pela existência de duas ou mais pessoas ligadas por laços de família que detêm participação na propriedade da empresa e exercem forte influência na sua gestão. Ao contrário do que muitos afirmam, o vínculo parental não é um problema. Empresas familiares não são sinônimo de empresas defeituosas ou com má gestão. A meu ver, a presença da família na empresa é uma grande virtude. O vínculo parental confere características próprias e positivas à empresa familiar. Entre familiares há maior lealdade e maior disposição para o trabalho duro. O desejo de que o empreendimento tenha êxito se sobrepõe ao lucro, ou melhor, o lucro não é um fim em si mesmo, mas uma consequência da concretização dos valores intergeracionalmente transmitidos. Essas características, associadas a uma liderança mais estável, contribuem mais e melhor para a continuidade da empresa. Se é verdade que o sucesso de uma empresa está nas pessoas, então as empresas familiares possuem uma enorme vantagem em relação as empresas não familiares desde que saibam utilizar essas características positivas.
Por outro lado, sempre existem aspectos negativos. O forte vínculo afetivo entre os familiares pode resultar em maior tolerância à inaptidão. Da mesma forma, a existência de maior intimidade pode resultar em indiscrição e na explicitação de certos conflitos que deveriam permanecer na esfera familiar privada. Também a existência de uma liderança centralizadora – geralmente o patriarca – pode resultar em imaturidade e má formação dos sucessores. Quando tais características são predominantes a empresa familiar corre sérios riscos pois, apesar de senso comum, não se pode demitir um familiar, não existe ex-pai ou ex-irmão.
Lidar com essas situações de modo a minimizar os aspectos negativos e otimizar os positivos é o grande desafio da família e da empresa. Uma boa maneira de enfrentá-lo começa por conhecer os lugares criados pelo sistema em que a empresa familiar se encontra. Segundo a literatura especializada[1], as empresas familiares estão inseridas em três sistemas: a família (o conjunto de pessoas ligadas por laços de sangue ou laços afetivos que compartilham os mesmos valores), a propriedade da empresa (quotas ou ações) e a gestão da empresa (o conjunto de decisões estratégicas e operacionais que fazem a organização funcionar). A interação entre esses três sistemas produz sete lugares, cada lugar se caracteriza por uma posição em relação à família, à propriedade e a gestão.
É a partir desses lugares que o seu ocupante e terceiros constroem expectativas, interesses, necessidades e compromissos para com a organização. E, é também a partir deles que se estabelecem as bases com potencial para a geração de conflitos. É claro que existem outros fatores, mas esse ponto de vista tem a vantagem de permitir a criação prévia de regras claras sobre o que se espera de cada um. Isso reduz frustrações e racionaliza a gestão.
A interação entre os três sistemas da origem a sete lugares dentro da empresa familiar, a saber: 1) o familiar que não participa da propriedade e da gestão da empresa; 2) o proprietário que não pertence à família e não participa da gestão da empresa; 3) o gestor que não pertence à família e não é proprietário; 4) o familiar que participa da gestão, mas não é proprietário; 5) o familiar que participa da propriedade, mas não da gestão; 6) o proprietário que participa da gestão, mas não é da família, e 7) o familiar que participa da propriedade e da gestão da empresa.
A análise de cada um desses lugares permite identificar não só as expectativas, mas também os potenciais conflitos decorrentes dessa expectativa e as ações necessárias para que a expectativa seja exitosa. A título de exemplo, gostaria de convidar o leitor a refletir sobre as seguintes questões: Consideremos o lugar 1, do familiar que não participa da propriedade e da gestão da empresa; o que se espera dele? Se a expectativa é que ele venha a colaborar com o empreendimento, como isso deve ser construído? Como deve ser preparado? Outro exemplo, agora sob a perspectiva dos conflitos: Que relações se estabelecerão entre o familiar que colabora na gestão da empresa (lugar 4) e os familiares que ocupam o lugar 1? A mesma pergunta pode ser feita relativamente aos não familiares que ocupam o lugar 3. Que regras serão necessárias para assegurar uma relação equilibrada entre os indivíduos que estão ocupando essas três posições?
A compreensão dos lugares produzidos no sistema em que a empresa familiar está inserida ajuda a enfrentar aquele que é o seu grande desafio: minimizar os aspectos negativos e otimizar os positivos que asseguram o sucesso da empresa. Em muitas ocasiões, essa compreensão fará surgir a necessidade de regras indicando quais são os comportamentos desejáveis, bem como, as estruturas de tomada de decisões. É nesse momento que entra o direito e o advogado, construindo os pactos, os regulamentos e as estruturas de deliberação e funcionamento da empresa familiar e da família empresaria.
Em alguns casos, pode ser interessante uma holding familiar. A holding é uma pessoa jurídica que detém a propriedade das quotas ou ações das empresas operacionais que antes pertenciam a alguns membros da família. Para que não se venda ilusões, é importante dizer que nem sempre uma holding é necessária. Frequentemente se vende a ideia de que a holding é um instrumento adequado para proteger o patrimônio familiar. Com o devido respeito aos que pensam assim, para mim isso não é verdade. Em tempos de internet, não existe blindagem segura. No entanto, uma holding oferece outros benefícios, com destaque para o fato de que ela melhora a participação dos familiares nos negócios, a transparência da gestão, a tomada de decisões, a formação das novas gerações e a própria sucessão. Além disso, ela permite aos sucessores a liberdade de seguir outros caminhos, sem prejudicar a continuidade do negócio familiar. Para essas situações, a holding é um excelente instrumento de interação entre a família empresaria e a empresa familiar.
[1] Sobre o tema ver, entre outros: TONDO, Cláudia (Org.). Desenvolvendo a empresa familiar e a família empresaria. 2ª ed. Porto Alegre: Editora Sulina, 2014. SCHUMAN, Amy; STUTZ, Stacy; WARD, John L. A empresa familiar como paradoxo. Porto Alegre: Bookmann, 2011.