Atílio Dengo Advogados Associados

Justa causa e o torcedor brasileiro na Rússia

12/06/2018

Quando a CLT foi criada, nos idos anos de 1943, as relações de trabalho se davam preponderantemente dentro do ambiente da empresa. O controle do empregador sob o empregado (subordinação) ficava restrito ao local de trabalho. Ocorre que, atualmente, as redes sociais estão totalmente inseridas no cotidiano das pessoas e das atividades de trabalho. Algumas situações desastrosas passaram a ser mais comuns. Sérios problemas na vida profissional do empregado e até o seu desligamento sumário ocorre em razão da grande exposição ocasionada no ambiente virtual. Alguns casos, mesmo ocorridos fora da jornada ou da empresa, podem vir a ter íntima ligação com o trabalho. 


Por essa razão, os gestores precisam ficar atentos para interpretar corretamente as situações que permitem medidas mais drásticas como uma sanção disciplinar ou até a dispensa por justa causa.


Para pegarmos o gancho da polêmica atual, o caso do torcedor brasileiro que ofendeu uma cidadã russa, poderia ser punido com a despedida por justa causa? Não se está fazendo nenhum juízo a respeito da repudiável conduta. Mas apenas se o seu empregador poderia tê-lo punido com a pena máxima, a justa causa. Mesmo se tratando da grande exposição e de uma conduta repudiável, a lei brasileira só permitiria caso tivesse ocorrido dentro do ambiente de trabalho. O empregador só poderia agir caso a má conduta do trabalhador venha a atingi-lo diretamente, a interferir na relação de trabalho ou na sua atividade, sob pena de incorrer em violações mais graves. 


Assim, temos aqui um balizador. Caso o empregado venha a ofender a honra ou a boa-fama (imagem) da empresa ou dos prepostos e gestores nas redes sociais, pode ser punido com medidas disciplinares e até com a justa causa.


Para analisarmos o assunto, importante sabermos que a CLT possui um rol taxativo das hipóteses de justa causa no seu artigo 482. Dentre as situações previstas na lei, atentamos para as alíneas “a” (incontinência de conduta ou mau procedimento); “j’ (ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem); e a línea “k” (ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem).

Note-se que as duas primeiras alíneas dizem respeito à conduta praticada pelo empregado dentro do ambiente de trabalho. Já a alínea “k” refere uma conduta que venha a lesar a honra ou a boa fama contra o empregador (a empresa) ou o superior hierárquico. Na última, a CLT não restringiu o ambiente de trabalho. Dessa forma, pode ser interpretado que qualquer ato praticado contra o empregador que venha a lesar a honra, a boa fama (e também a imagem) em qualquer ambiente, seja na rua ou nas redes sociais poderá ser punido, inclusive com a justa causa. 


Portanto, a ideia central é que as hipóteses de justa causa são verificadas quando inviabilizarem as atividades e a existência de um prejuízo moral ou material para o empregador. A empresa não deve querer fazer o papel de polícia, de ministério público ou de juiz da vida privada de seu empregado, somente se tenha sido atingida sua honra ou boa-fama.

 

Por Alexandre Bastos, especialista em Direito Trabalhista e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados.

 

ASSINE NOSSA NEWSLETTER