Em linhas gerais, o ITBI e o IPTU – impostos municipais incidentes sobre a transmissão e a propriedade de bens imóveis, respectivamente - são calculados sobre o valor venal do imóvel. Mas afinal, quais são os parâmetros para se determinar este elemento quantitativo? Tema de longa discussão entre municípios e contribuintes, a forma de apuração da base de cálculo do ITBI foi objeto de recente decisão do STJ, exarada na sistemática dos Recursos Repetitivos. Em apertada síntese, restou decidido que, diferentemente do IPTU, a base de cálculo do ITBI não pode ser definida de forma prévia e genérica pelo Município, conforme passaremos a tratar nesse breve artigo.
Comumente, os municípios costumam atribuir de forma imperativa e unilateral o valor venal ao imóvel objeto da transferência – em outras palavras, acaba ficando a cargo de cada município estipular o valor quantitativo da base de cálculo do ITBI. Geralmente, o poder público municipal busca respaldar o valor por ele atribuído em plantas genéricas ou mapas predefinidos, bem como em padrões que consideram a localização e tamanho do imóvel – expedientes estes mais afeitos a materialidade do IPTU. Logicamente, em não concordando com o valor estipulado pelo município, ao contribuinte é garantido o direito a impugnação administrativa desta base de cálculo. Entretanto, a decisão ora em comento alterou esta lógica.
No final de fevereiro, a 1ª Seção do STJ, por unanimidade, decidiu que a base de cálculo do ITBI não é vinculada à base de cálculo do IPTU. Além disso, importando de fato no aspecto mais interessante desta decisão, os ministros entenderam que os municípios não podem definir previamente a base de cálculo do ITBI com fundamento em um valor de referência estabelecido pela própria administração pública, de modo unilateral. A argumentação do voto vencedor, de autoria do Min. Gurgel de Faria, tem como premissa que, apesar da legislação pertinente determinar que a base de cálculo de ambos os impostos é o valor venal do imóvel, esta deve ser apurada de maneira diversa nos dois casos, principalmente em razão da distinção existente entre suas materialidades (fatos geradores) e espécies de lançamento tributário. Trataremos aqui apenas do aspecto relativo aos fatos geradores.
O fato gerador do IPTU é a simples propriedade de imóvel em território urbano, em um determinado dia do ano. Neste sentido, uma definição de base de cálculo baseada em padrões predefinidos e valores de mercado faz sentido. É uma estimativa – até mesmo porque é impossível ao Fisco realizar anualmente perícias individualizadas para determinar o valor venal de cada imóvel. Por outro lado, o fato gerador do ITBI – transmissão de bem imóvel ou direitos a ele relacionados – envolve um negócio jurídico, que nasce do acordo de vontades das partes envolvidas. Assim sendo, embora seja possível dimensionar o valor médio dos imóveis no mercado, segundo critérios de localização e tamanho, a avaliação de mercado específica de cada imóvel transacionado pode sofrer oscilações para cima ou para baixo desse valor médio, a depender da existência de outras circunstâncias relevantes e legítimas para a determinação do real valor do imóvel alienado, como a existência de benfeitorias, o estado de conservação e os interesses pessoais do vendedor e do comprador, para o ajuste do preço. Por conta disso, bem como pela própria natureza das espécies de lançamento tributário envolvidas no ITBI, é necessário a participação do contribuinte (via de regra, o adquirente) para fins de mensuração do valor venal referente a transmissão de determinado imóvel (ou direito a ele relacionado). Assim, a sistemática até então vigente foi alterada: o Fisco deve considerar o valor informado pelo contribuinte. Caso não concorde, deve instaurar processo administrativo próprio para discutir a questão.
Desta forma, ao final do julgado restou decidido que: 1- a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU; 2- O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado e somente pode ser afastado pelo fisco mediante processo administrativo próprio e 3- o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
Lucas Ferreira, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados