Em 14/11/2018, a União publicou a Portaria RFB nº 1750, que tem o objetivo de regulamentar as regras da representação fiscal para fins penais referentes a crimes contra à ordem tributária, como por exemplo o inadimplemento de tributo declarado e não pago (em 21/08/2018 comentamos que "ICMS declarado e não pago é considerado crime" - clique aqui para ler). Entretanto, o diploma legal trouxe uma novidade: a possibilidade de a Receita Federal divulgar, na internet, as informações relativas às representações fiscais para fins penais, inclusive divulgando o nome e o CPF dos supostamente responsáveis pelos fatos que o Auditor Fiscal entender como criminosos. Tal regra configura uma antiga prática fazendária: a cobrança indireta de tributos.
Historicamente, a Fazenda sempre buscou meios indiretos de coagir o contribuinte a pagar os tributos como, por exemplo: a retenção de mercadorias no porto até que o importador arcasse com os impostos; a proibição da empresa inadimplente de imprimir talonários de notas fiscais; e, outras tantas práticas que, há muito, são rechaçadas pelo Supremo Tribunal Federal, por configurar meios políticos de cobrança.
Ocorre que essa divulgação dos dados dos contribuintes fere um direito fundamental: o da presunção de inocência. Em se tratando da prática de um crime apenas “em tese”, não há como se permitir que o contribuinte passe a figurar num rol de supostos criminosos, antes mesmo que o Ministério Público tenha proposto ação criminal. Apenas com o trânsito em julgado da sentença condenatória é que seria possível incluí-lo nesse rol.
Por outro lado, a portaria ainda é incongruente: se o contribuinte, após a representação para fins penais, suspender a exigibilidade do débito, ainda assim permanecerá com seus dados na lista até que o pague integralmente; e, após a quitação, caberá a ele se dirigir ao Fisco e pedir que seu nome seja excluído desse rol. Ora, se o débito estiver suspenso ou for extinto, cabe ao Fisco excluir o nome do contribuinte dessa lista.
Sabemos que o Estado, em todas as esferas, se encontra em sérias dificuldades de arcar com seus gastos orçamentários. Entretanto, não se pode admitir que os direitos fundamentais dos contribuintes sejam colocados à margem, em nome do suposto interesse público. A Fazenda dispõe de meios próprios de cobrança (ação de execução fiscal, lista do CADIN, protesto de dívida). Mas, se ainda assim pretender divulgar em seu site um rol de devedores que foram condenados por delitos tributários, deveria aguardar a prolação de uma sentença condenatória transitada em julgado.
Por Rafael Paiani, advogado especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Atílio Dengo Advogados Associados.